Comprar um carro usado pode ser uma excelente forma de economizar, mas também é terreno fértil para surpresas desagradáveis. Afinal, quem quer se tornar responsável por multas acumuladas, IPVA atrasado, ônus judiciais ou até mesmo um financiamento ainda ativo? Por isso, antes de fechar negócio, é essencial fazer uma checagem criteriosa: não só do motor e da lataria, mas de toda a vida financeira e documental do veículo.
Neste guia, reunimos os principais passos e ferramentas que você deve usar para evitar herdar dívidas na compra de um carro usado. E sim: são etapas que podem salvar milhares de reais (ou muita dor de cabeça) no futuro.
1. Comece pela documentação e situação administrativa
a) Verifique CRV, CRLV e DUT
O CRV (Certificado de Registro de Veículo) e o CRLV (Certificado de Registro e Licenciamento) são documentos centrais. O CRV é o documento que comprova quem é o proprietário e deve constar no ato da transferência. Já o CRLV é o comprovante de que o veículo está licenciado no ano corrente. Também verifique o DUT (Documento Único de Transferência) ou termo de transferência, que deve estar em nome de quem está vendendo.
Além disso, confira se os documentos não apresentam rasuras, assinaturas inconsistentes ou sinais de adulteração, pois isso pode indicar fraude.
b) Consulta pelo RENAVAM e base oficial
Uma das primeiras consultas que se deve fazer é junto ao RENAVAM — sistema nacional de registro de veículos. Através do RENAVAM + placa, você pode acessar dados como multas, licenciamento pendente, restrições judiciais, registros de roubo/furto etc.
No portal de “Consultar dados de veículo na base RENAVAM” do gov.br, basta informar placa, RENAVAM e CPF/CNPJ do proprietário.
Também vale consultar o extrato veicular disponível em alguns DETRANs estaduais (por exemplo, no Paraná) para ver pendências em licenciamento, multas e restrições.
c) Débitos de IPVA, licenciamento e multas
Um dos grandes riscos é encontrar o carro cheio de dívidas de imposto ou multas. Verifique:
- IPVA: se há parcelas vencidas ou não quitadas. Em muitos estados, o veículo com IPVA em atraso não pode ter sua transferência concluída.
- Licenciamento: certifique-se de que o CRLV atual está válido.
- Multas de trânsito: elas podem estar registradas no sistema do DETRAN ou de órgãos municipais. Algumas podem não estar “aparecendo” imediatamente em sistemas centralizados, então verifique nas entidades responsáveis (prefeitura, DER, DNIT) também
- Restrição de circulação e penhora: um veículo pode estar preso a restrições judiciais ou penhora por dívidas do proprietário. É fundamental verificar se há essa condição.
d) Compra de veículo com financiamento em aberto
Em alguns casos, o carro ainda pode estar vinculado a um financiamento cujo contrato não foi quitado. Se você comprar esse carro sem a quitação desse débito, poderá herdar a responsabilidade pela dívida.
Por isso:
- Peça ao vendedor uma certidão de quitação ou extrato autenticado junto ao banco.
- Verifique no contrato original ou no banco se há parcelas pendentes ou cláusulas de alienação fiduciária.
- Se for possível, negocie que o vendedor quite o débito antes da transferência.
2. Histórico e procedência do veículo
a) Quem é o vendedor e quantos donos já teve
Se o vendedor for um particular, peça identificação e documentos que comprovem a propriedade, para garantir que essa pessoa realmente possa vender esse carro.
Analise também quantos donos o veículo já teve. Muitos proprietários em pouco tempo podem ser sinal de problemas. Se possível, questione também por que o carro foi vendido ou trocado tão rápido.
b) Histórico de acidentes e sinistros
É fundamental descobrir se o carro já esteve em acidentes graves, teve estrutura danificada ou passou por reconstrução. Para isso, você pode:
- Usar sites e serviços que oferecem “consulta de histórico veicular”
- Cruzar chassi, placa e outros dados para ver registros de batidas ou leilões
- Solicitar laudo de vistoria técnica independente (empresa especializada) para verificar se há indícios de reparos estruturais, soldas, desalinhamentos.
c) Histórico de manutenção
Saber como o carro foi cuidado ao longo dos anos é um forte indicativo de sua saúde. Procure:
- Carimbos de revisões em concessionárias ou oficinas autorizadas
- Notas fiscais de serviços feitos
- Histórico documentado de trocas de óleo, correia, pastilhas de freio, suspensão etc.
- Registros em sistemas oficiais da marca (quando possível)
Um carro com manutenção regular tende a ter riscos menores de falhas ocultas.
3. Verificação física e técnica
a) Quilometragem: cuidado com manipulações
A adulteração de odômetros é prática ainda presente no mercado de usados. Verifique:
- Se o painel e o hodômetro mostram sinais visíveis de violação (rachaduras, dígitos desalinhados, interferência)
- Se a quilometragem bate com as anotações no histórico de manutenção
- Use um scanner OBD (quando aplicável) para verificar dados eletrônicos que podem “desmascarar” manipulações
- Compare a média de uso com veículos similares: se um carro de 10 anos tiver “apenas” 20.000 km, é suspicaz.
b) Inspeção mecânica geral
Mesmo que o carro aparente estar em bom estado visual, leve-o a um mecânico de confiança para uma vistoria completa, que analise:
- Motor (compressão, vazamentos, ruídos)
- Sistema de transmissão
- Suspensão, amortecedores e alinhamento
- Sistema de freios, pastilhas, discos e ABS
- Sistema elétrico, bateria, faróis, luzes
- Sistema de escapamento e emissões
- Componentes estruturais: verifique se há indícios de ferrugem, soldas, empenos
Preferencialmente, faça uma vistoria em empresa especializada e com laudo técnico documentado (vistorias de “boas práticas” ou por empresas credenciadas).
c) Avaliação da condição de uso
Além da vistoria técnica, faça uma avaliação visual e sensorial:
- Verifique o estado de desgaste dos pedais, volante, bancos. Se esses itens estão muito gastos, mas a quilometragem é baixa, pode haver inconsistência.
- Teste de rodagem: rode com o carro em diferentes situações (subidas, curvas, trepidações) para sentir ruídos ou comportamentos estranhos.
- Verifique alinhamento e balanceamento.
- Teste de freios em velocidade segura e controlada.
4. Negociação, contrato e transferência segura
a) Cláusulas mínimas importantes no contrato
Para evitar riscos, inclua no contrato de compra e venda cláusulas como:
- Obrigação do vendedor quitar todos os débitos comprovados até a data da entrega
- Garantia mínima ou “venda no estado” (se não quiser garantia) com cláusula clara
- Reconhecimento de firma e, em alguns casos, testemunhas
- Uso dos dados exatos do veículo (placa, RENAVAM, chassi) no contrato
- Condição de vistoria técnica ou suspensão da transação caso sejam detectados problemas ocultos
b) Transferência e averbação
Não basta assinar o contrato: você precisa garantir que fará a transferência do veículo junto ao DETRAN e que todos os registros de mudança sejam corretamente averbados.
Sem a transferência, futuras multas e débitos ainda podem recair sobre você, ou o veículo pode continuar vinculado ao antigo proprietário.
Se houver financiamento ou cláusula de alienação fiduciária, a averbação ou retirada da restrição deve constar no documento final.
c) Quitação de pendências antes da transferência
Se você identificou débitos (IPVA, multas, licenciamento, financiamento) no veículo, negocie para que o vendedor:
- Quite ou negocie essas dívidas antes do repasse
- Apresente comprovantes de quitação ou certidões negativas
- Caso não seja possível, renegocie como condição para o fechamento: por exemplo, abater parte do valor ou deixar garantia do vendedor até comprovação
Tenha clara a divisão de responsabilidades: o vendedor deve entregar o veículo “em ordem”.
5. Checklist resumido antes de fechar negócio
Para tornar tudo mais prático, aqui vai um checklist que você pode imprimir ou anotar:
- Verificar CRV, CRLV, DUT e autenticidade dos documentos
- Consulta RENAVAM/placa para multas, restrições, registros de furto/roubo
- Verificar dívida de IPVA, licenciamento e multas
- Conferir se há financiamento ativo ou alienação fiduciária
- Investigar procedência, número de proprietários, possível histórico de acidentes
- Consultar histórico de manutenção e notas fiscais
- Analisar quilometragem e possíveis manipulações
- Submeter o carro a vistoria técnica completa
- Fazer test drive e avaliar comportamento de uso
- Elaborar contrato com cláusulas de quitação de débitos e transferência
- Garantir que a transferência será feita junto ao DETRAN
- Exigir comprovantes de quitação antes de efetivar pagamento
Se algo nesse checklist falhar ou gerar dúvida, não feche negócio até ter certeza. É preferível perder uma oportunidade do que assumir uma bomba automotiva.
Comprar um carro usado com mais segurança envolve muito mais do que olhar motor, pintura e quilometragem. Envolve diligência documental, consultas oficiais, verificação de dívidas e uma vistoria técnica criteriosa. Um pequeno deslize pode fazer com que você herde multas, dívidas de IPVA, restrições judiciais ou até um financiamento não quitado.
Com as etapas descritas neste guia e o uso das ferramentas de consulta (RENAVAM, DETRAN estadual e serviços de histórico veicular), você reduz significativamente os riscos e toma decisões mais seguras. Vale dedicar tempo e atenção nesse processo — a economia e a tranquilidade compensam.